Durante
a quarentena decidi ler um livro que me ajudasse a compreender a
sociedade atual. Entender nossa realidade através do olhar e estudo
do Grande Sociólogo Polonês Zygmunt Bauman. A quarentena foi se
prologando e os ânimos da população foram se alterando.
Uma
parcela da sociedade pareceu não entender a importância desse
distanciamento e essa pausa em alguns setores da economia. Até onde
seria insciência, apatia ou desumanidade?
Obtive
um pouco de luz sobre essa dúvida ao ler o livro “Amor Líquido –
Sobre a fragilidade dos laços humanos.”, precisamente no terceiro
capítulo intitulado “Sobre a dificuldade de amar o próximo” .
Livro escrito em 2004 faz uma análise das relações dos cidadãos
de uma cidade e como a relação de 2 grupos se torna quase ínfima.
Cito
abaixo trechos do tal livro que elucida essa conceito :
“..há
uma crescente polarização e uma ruptura de comunicação ainda mais
completa entre os mundos em que vivem as duas categorias de
residentes urbanos.
(…)
A imagem que emerge dessa descrição é de dois mundos segregados e
distintos .
… Os
que vivem no primeiro desses dois mundos podem estar, como os outros
, “no lugar” mas não são “do lugar” - decerto não
espiritualmente , mas com muita frequência tampouco fisicamente ,
quando é seu desejo.
As
pessoas da “camada superior” não pertencem ao lugar que habitam,
pois suas preocupações se situam (Ou melhor, flutuam) alhures.
Pode-se imaginar que ,além de serem deixadas a sós e portanto
livres para se dedicarem totalmente a seus passatempos, e tendo
assegurados os serviços necessários para as suas necessidades e
conforto do dia a dia ( como quer que os definam) , elas não tem
outros interesses na cidade em que se localizam as suas residências.
Os
habitantes da camada inferior estão “condenados a permanecerem
locais” - e portanto se espera, e deve-se esperar , que sua atenção
, repleta de descontentamentos, sonhos e esperanças , se concentre
em “assuntos locais”. Para eles , é dentro da cidade que habitam
que a batalha pela sobrevivência e por u lugar decente no mundo é
desencadeada , travada , por vezes ganha, mas geralmente perdida.
O
desligamento da nova elite global em relação a seus antigos
engajamentos com o populus local e
o crescente hiato entre os espaços vivos/vividos dos que se
separaram e dos que foram deixados para trás é comprovadamente o
mais seminal de todos os afastamentos sociais, culturais e políticos
associados à passagem do estado “sólido” para o estado
“liquido” da modernidade ( Pág. 120 e 121) ...
Ainda
nesse capitulo , Bauman utiliza da Pesquisa de uma brasileira e cita
esse distanciamento exemplificados com casos em São Paulo:
Sobre
São Paulo , a maior cidade do Brasil, caótica e em rápida expansão
, escreve Teresa Caldeira: “São Paulo é hoje uma cidade de muros.
Barreiras físicas foram construídas em toda parte – em torno de
casas, prédio , parques, escolas e complexos empresariais… Uma
nova estética da segurança modela todos os tipos de construções e
impôe uma nova Lógica de vigilância e distância...”
Os
que podem, vivem em ‘condomínios”, planejados como se fossem uma
ermida : fisicamente dentro , mas social e espiritualmente fora da
cidade. “supõe-se que as comunidades fechadas sejam mundos
distintos . Nas propagandas que os anunciam propõe-se um ‘modo de
vida completo’ que representaria uma alternativa à qualidade de
vida oferecida pela cidade e seu espaço público deteriorado”
(…)
Em
São Paulo , a tendência segregacionista e exclusivista se apresenta
da forma mais brutal , inescrupulosa e desavergonhada. Mas pode-se
sentir seu impacto, embora de maneira um tanto atenuada, na maioria
das metrópoles. (pág. 130 e 131)
Então,
ele cita a mixofobia, espaços interditados e a questão da
importância da vivência com pessoas diferentes.
As
novas construções , anunciadas com mais orgulho e as mais imitadas,
são “espaços interditados” - “planejados para interceptar ,
repelir ou filtrar os usuários potenciais”. Explicitamente, o propósito dos “espaços interditados” é dividir, segregar e
excluir – e não construir pontes, passagens acessíveis e locais de
encontro, facilitar a comunicação ou , de alguma outra forma ,
aproximar os habitantes da cidade.
(…)
Na
paisagem urbana, os “espaços interditados” se tornam marcos de
desintegração da vida comunal compartilhada e localmente
ancorada. (pág 132)
O
impulso na direção de uma “comunidade de semelhança” é um
signo de recuo não apenas em relação à alteridade externa , mas
também ao compromisso com a interação interna, ao mesmo tempo
intensa e turbulenta , revigorante e embaraçosa. A atração de uma
“comunidade da mesmidade” é a segurança contra os riscos de que
está repleta a vida cotidiana num mundo polifônico. Ela não reduz
os riscos, muito menos os afasta. Como qualquer paliativo, promete
apenas um abrigo em relação a alguns dos efeitos mais imediatos e
temidos desses riscos.
(…)
Quanto
mais as pessoas permanecem num ambiente uniforme – na companhia de
outras “como elas”, com as quais podem “socializar-se de modo
superficial e prosaico sem o risco de serem mal compreendidas nem a
irritante necessidade de tradução entre diferentes universos de
significações - , mais tornam-se propensas a “desaprender” a
arte de negociar um modus convivendi e significados
compartilhados. (Pag. 134 e 135)
Conforme
a famosa observação de Hans Gadamer em seu Livro Verdade e
método , a compreensão mútua e instigada pela “fusão de
horizontes“ - quer dizer, horizontes cognitivos, induzidos e
ampliados nos cursos da acumulação de experiência de vida. A
‘fusão” exigida pela compreensão mútua só pode ser o
resultado da experiência compartilhada , e esta é inconcebível sem
que haja um espaço compartilhado.
(
Pág. 138).
Outras
informações:
Quem
é Teresa Caldeira? :
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-93132002000100010&script=sci_arttext&tlng=pt
O
que é mixofobia?
“A
mixofobia
é o típico medo de se envolver com estrangeiros, o diferente, o
desconhecido. “